agosto 16, 2009

As Determinações Qualitativas do Tempo

Para Descartes, o tempo seria constituído por uma série de instantes descontínuos, o que pressupõe uma “criação” constantemente renovada, sem a qual o mundo estaria sempre a soçobrar nos intervalos dessa descontinuidade.
No entanto, enquanto o espaço se pode medir directamente, o tempo só se pode medir relacionando-o com o espaço.
Os fenómenos corporais são também os únicos que se situam igualmente no espaço e no tempo; os fenómenos de ordem mental não têm carácter espacial, mas desenvolvem-se igualmente no tempo.
O mental que pertence à manifestação subtil está mais próximo da essência do que o corporal. Se a natureza do tempo lhe permite estender-se até aí e condicionar as próprias manifestações mentais é porque essa natureza deve ser ainda mais qualitativa do que a do espaço. E vão procurar neles elementos quantitativos e pior ainda querer reduzir os fenómenos mentais à quantidade.
O tempo realizado contém sempre os acontecimentos, tal como o espaço realizado contém sempre os corpos.
A verdade é que o tempo não é qualquer coisa que se desenrola uniformemente, logo, a sua representação geométrica numa linha direita dá uma ideia falsa de simplificação, o que acompanha a tendência do espírito moderno para reduzir tudo à quantidade.
A verdadeira representação do tempo é aquela que nos dá a concepção tradicional dos ciclos, essencialmente de um tempo “qualificado”.
Cada fase do ciclo temporal tem a sua qualidade própria que influi na determinação dos acontecimentos, mas também, que a velocidade com que esses acontecimentos se desenrolam depende das outras fases e, por conseguinte, é de ordem mais qualitativa que quantitativa.
Segundo as diferentes fases do ciclo, as séries de acontecimentos comparáveis entre si, não se cumprem em durações quantitativamente iguais, isto é nítido quando se trata de grandes ciclos de ordem cósmica, por exemplo, a proporção decrescente das durações respectivas dos quatro Yugas, cujo conjunto forma o Manvantara. É por esta razão que os acontecimentos se desenrolam actualmente com uma rapidez superior às épocas anteriores, velocidade que se vai acelerando sem cessar e que continuará até ao fim do ciclo.
Observa-se que a direcção descendente da marcha do ciclo, enquanto expressão cronológica de um processo de manifestação que implica um afastamento gradual do começo.
Observa-se ainda a marcha descendente da manifestação, e por conseguinte, do ciclo que é uma expressão dela, efectuando-se do pólo positivo (ou essencial) para o pólo negativo (ou substancial), resulta que todas as coisas devem tomar um aspecto cada vez menos qualitativo e cada vez mais quantitativo, e é por isso, que o último período do ciclo deve tender para se afirmar como “reino da quantidade”.

Resumo Capítulo V, “O Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos” de René Guenon, 1945 (Original), 1989, Publicações D. Quixote

Uma interpretação do Universo em invólucros sucessivos

Já encontrámos o paradoxo de um “tempo” em que o futuro se apresenta, de algum modo, anterior ao presente. De modo recíproco, o passado pode tornar-se presente, por uma evocação da memória, conferindo ao que nos parecia perdido para sempre o sabor de um novo nascimento: é o hidush.
Tudo se passa como se o passado e o futuro se encontrassem ambos misteriosamente ocultos num presente cujo papel consistisse em actualizar este ou aquele elemento segundo a ordem de uma invisível sabedoria. A língua hebraica emprega muitas vezes o futuro para designar um acontecimento passado, saltando sobre o presente, pois que este engloba justamente todo o tempo na sua quase eternidade.
(…) Os aspectos históricos da religião têm um significado para o místico, principalmente como símbolos de actos que ele concebe como separados do tempo ou que se repetem constantemente na alma de todo o homem.” (…) Logo, está ao alcance de qualquer um a interiorização do acontecimento e também o conhecimento das profecias, anúncio e antecipação dos últimos tempos.
(…) Daí a possibilidade de uma misteriosa involução do tempo: “A opinião comum da cabalismo considera o caminho místico para Deus como uma transposição do processo pelo qual somos emanados de Deus. Conhecer as etapas do processo criador é conhecer igualmente as etapas do regresso à raiz de toda a existência.”
(…) Assistimos, com a mutação das nossas civilizações, independentemente de uma verdadeira “aceleração” dos tempos – sintoma não equívoco de um mundo velho – a uma reacção quase universal contra tudo o que se assemelha a um modo de pensamento discursivo, a uma razão que progride talhando e cortando raciocínios e princípios, silogismos, deduções e consequências”.
Por um lado, no que diz respeito ao tempo, a História vai ao encontro da prospectiva, enquanto o progresso técnico “acelera”. Por outro lado, a inteligência, sob a forma clássica do humanismo ocidental, vê-se progressivamente atacada por uma busca quase universal de tudo o que a possa superar, quer se trate de uma redescoberta do homem total, incluindo as suas raízes carnais, ou do mistério do seu coração profundo e da sua aura cósmica.
Não é só um certo gosto pelo esoterismo que atrai um número crescente de homens e de mulheres enganados pelos limites de uma inteligência reduzida a um simples intelectualismo, mas sim, ao que parece, uma mutação do pensamento que, por uma reacção de defesa em face dos perigos de uma mecanização crescente do espírito humano, procura um modo de sobrevivência.
O perigo está em que, à força de globalizar, o pensamento se dissolve numa vaga “difusa”, e que, à força de evitar o intelectualismo, acaba por caie no caos.

Excerto de “A Cabala e a Tradição Judaica” de René de Tryon, Montalembert, Kurt Hruby, 1974, Edições 70
Uns, com os olhos postos no passado,
Vêem o que não vêem; outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, vêem
O que não pode ver-se.

Porque tão longe ir pôr o que está perto –
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
E quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos.
Colhe o dia, porque és ele.

Odes de Ricardo Reis
Fernando Pessoa

Tempo

O tempo existe? Será finito ou infinito? Tudo serão apenas coisas?

A palavra tempo tem origem no latim. Ela é derivada de tempus e temporis, que significam a divisão da duração em instante, segundo, minuto, hora, dia, mês, ano, etc. Os latinos usavam aevum para designar a maior duração, o tempo.

O tempo é uma unidade de medida geralmente indicada por intervalos ou períodos de duração. Tudo é medido em dias, horas, segundos, hoje, ontem, amanhã, presente, passado e futuro.

Por influência das ideias desenvolvidas por Einstein, o tempo tem vindo a ser considerado como uma quarta dimensão do continuum de espaço-tempo do Universo, que possui três dimensões espaciais e uma temporal.

Enquanto, para Newton, o tempo era algo absoluto e universal, segundo a Teoria da Relatividade de Einstein, este seria relativo. Ou seja, a relatividade afecta o tempo.

Assim, assistimos no século XX à criação das duas grandes teorias que revolucionaram a nossa descrição do mundo físico. A primeira, a Teoria da Relatividade, destronou os nossos conceitos de espaço e tempo (absolutos), combinando-os naquilo que hoje designamos por espaço-tempo, e que através da sua curvatura incorpora as propriedades omnipresentes e misteriosas do campo gravítico.

A segunda, a Teoria Quântica, alterou completamente a maneira como compreendemos a natureza da matéria e da radiação, fornecendo-nos uma representação da realidade onde as partículas se comportam como ondas e as ondas como partículas, onde as descrições físicas habituais ficam sujeitas a incertezas essenciais, e onde objectos individuais podem manifestar-se em vários lugares ao mesmo tempo.

Tomando como exemplo um buraco negro, objecto colapsado cuja gravidade é tão poderosa, que nada, nem mesmo a luz, pode escapar-lhe, ou seja, o que cai no seu “interior” jamais pode sair. Inicialmente, se uma pessoa for caminhando para um buraco negro, nada aconteceria e tudo pareceria normal. Os relógios mantêm-se inalterados, marcando o mesmo tempo.

No entanto, à medida que nos aproximamos do Horizonte de Acontecimentos (“fronteira” de um buraco negro onde a velocidade de fuga se torna igual à velocidade da luz), o tempo começaria a distorcer-se, assim como o espaço, devido à sua enorme gravidade. Os relógios começariam a atrasar-se em relação aos da Terra. Assim, ao cair no buraco, o tempo passaria cada vez mais devagar até se suspender.

Considerando a Teoria de Einstein, com as três dimensões do espaço (esquerda/direita, frente/atrás, cima/baixo) e a do tempo, que formam o “espaço-tempo”, podemos inferir que um buraco negro não só distorce o espaço como também distorce o tempo.

Einstein e Nathan Rosen sugeriram que a “garganta” do buraco negro pode dar acesso a uma outra garganta ligada a outro universo. Em teoria, o buraco negro teria que ser suficientemente grande para não esmagar a pessoa e teria que estar em rotação. Desta forma, uma pessoa poderia utilizar esta ponte para passar para esse outro universo.

Um dia talvez os cientistas sejam capazes de controlar a fúria de um buraco negro usando a antigravidade, o oposto da gravidade, para criarem um buraco de Verme. Este tem duas bocas ligadas por um túnel através de um espaço curvo. A boca de um buraco de Verme permite entrar, mas também sair. Assim, ofereceria a grande vantagem de poder ligar diferentes partes do nosso universo, constituindo um atalho seguro entre dois lugares distintos.

Numa perspectiva mais filosófica, Platão afirmava que o tempo não é uma simples sucessão de instantes, é um contínuo. E este existe na medida em que uma alma consciente reúne o antes e o depois num agora.

Vários autores actuais, do denominado Movimento da Nova Era, concordam e retomam esta ideia.
Segundo Neale Walsch, o tempo não existe, não existe passado nem futuro. Estas são construções da nossa mente, pois apenas existe o momento eterno do agora.

O passado, o presente e o futuro são apenas uma invenção para conseguirmos distinguir as nossas experiências, pois caso contrário, elas sobreporiam-se. Ou seja, tudo acontece ao mesmo tempo. Apenas existe. Nós é que nos movemos.

Lee Carroll, através da entidade Kryon, acredita que muitos de nós estamos a sentir que o tempo se está a acelerar, como se o comboio da Humanidade estivesse a andar mais depressa, apesar dos relógios continuarem a marcar o que sempre marcaram.

Acrescenta que o tempo não é linear, considerando o tempo como circular. Começamos a experenciar um nível diferente de vibração, porque o nosso tempo já não representa o passado, nem o presente nem o futuro, mas sim o agora e todos os tempos juntos.

Não podemos olhar o espaço aplicando os mesmos parâmetros da Terra. Sendo o tempo relativo dentro do tempo linear, podemos concluir que o tempo anda a velocidades diferentes. Assim, quando olhamos para o Universo podemos ver diferentes enquadramentos de tempo, que existem a velocidades de tempo diferentes.

Por outro lado, Jorge Luís Borges questiona que o tempo é um problema para nós, um tremendo e exigente problema, porventura o mais vital da metafísica: a eternidade, um jogo ou uma fatigada esperança.

Utiliza a frase de Platão, no Timeu, de que “o tempo é uma imagem móvel da eternidade”. Esta afirmação não elimina a convicção de que a eternidade é uma substância feita com a eternidade do tempo. Considerando a Eternidade um arquétipo, a sua cópia será o tempo.

O Universo (ou o Tempo) é a imagem reduzida da indivisível e universal eternidade; eles podem contemplar e admirar, pelo espetáculo de suas propriedades e de suas maravilhas, ... mas jamais poderão conquistar o segredo da sua existência, escreveu Saint-Martin.

No que diz respeito ao domínio do manifestado, o espaço e o tempo podem ser simbolizados pelas duas colunas, ou seja, as duas realidades fundamentais nas quais parece ter sido baseado o Universo que conhecemos.

Da mesma forma que Energia e Matéria, Espaço e Tempo são as realidades finais que a ciência positivista admite como condições indispensáveis de toda existência física. Ainda que na teoria einsteiniana se unifiquem (fazendo do tempo uma quarta dimensão do espaço) e se trate de pôr em evidência sua relatividade, seguem constituindo os alicerces inalteráveis e o pressuposto relativamente invariável de nosso Templo Cósmico.

Como a dualidade não é nada mais do que a soma dos dois aspectos complementares de um Princípio Único, o Espaço é, no fundo, um só aspecto relativo do Ser, que tudo contém e compreende, pelo fato de que tudo é, e o Tempo é outro aspecto dessa Suprema Realidade.

Desta forma, penso poder concluir que o tempo, tal como o espaço, existem apenas nesta dimensão em que nos encontramos ilusoriamente, neste esquecimento que ainda nos prende.

Conforme preconizou Saint-Martin: durante e dentro do tempo, só conhecemos as obras quando desenvolvidas e apenas conseguimos penosamente procurar a sabedoria e a verdade. Só fora e acima do tempo, as conseguimos alcançar e possuir. Pelo que temos que sair do tempo para que a glória suprema renasça.

Para finalizar, considerando que o tempo dos poetas tende a ser um tempo de instantes, podemos assumir que Fernando Pessoa criou cronologias paralelas à sua, parecendo negar a sua própria existência temporal.

Ele pensa e analisa a maneira de transcender a análise mundana. Quando nos ligamos intensamente a esta sensibilidade, ficamos com uma diferente visão global do mundo e das coisas.

BIBLIOGRAFIA

Borges, Jorge Luís, História da Eternidade e O tempo circular; in Obras Completas, Vol. I, Círculo de Leitores, 1998
Carroll, Lee, “kryon”, O Novo Começo, www.casa-indigo.com
Couper, Heather; Henbest, Nigel; Buracos Negros, 1997, Gradiva – Publicações, Lda., Lisboa
Manual do Aprendiz Franco Maçom, www.hermanubis.com.br
Saint-Martin, Louis Claude de; O Homem de Desejo, www.hermanubis.com.br
Walsch, Neale, Conversas com Deus, Editora Pergaminho, Lisboa
"Gosto do céu porque não creio que ele seja infinito.
Que pode ter comigo o que não começa nem acaba?
Não creio no infinito, não creio na eternidade.
Creio que o espaço começa algures e algures acaba.
E que longe e atrás disso há absolutamente nada.
Creio que o tempo tem um princípio e terá um fim.
E que antes e depois disso não havia tempo.
Porque há-de ser isto falso? Falso é falar de infinitos.
Como se soubéssemos o que são de os podermos entender.
Não: tudo é uma quantidade de cousas.
Tudo é definido, tudo é limitado, tudo é cousas."

Alberto Caeiro
Fernando Pessoa