Já encontrámos o paradoxo de um “tempo” em que o futuro se apresenta, de algum modo, anterior ao presente. De modo recíproco, o passado pode tornar-se presente, por uma evocação da memória, conferindo ao que nos parecia perdido para sempre o sabor de um novo nascimento: é o hidush.
Tudo se passa como se o passado e o futuro se encontrassem ambos misteriosamente ocultos num presente cujo papel consistisse em actualizar este ou aquele elemento segundo a ordem de uma invisível sabedoria. A língua hebraica emprega muitas vezes o futuro para designar um acontecimento passado, saltando sobre o presente, pois que este engloba justamente todo o tempo na sua quase eternidade.
(…) Os aspectos históricos da religião têm um significado para o místico, principalmente como símbolos de actos que ele concebe como separados do tempo ou que se repetem constantemente na alma de todo o homem.” (…) Logo, está ao alcance de qualquer um a interiorização do acontecimento e também o conhecimento das profecias, anúncio e antecipação dos últimos tempos.
(…) Daí a possibilidade de uma misteriosa involução do tempo: “A opinião comum da cabalismo considera o caminho místico para Deus como uma transposição do processo pelo qual somos emanados de Deus. Conhecer as etapas do processo criador é conhecer igualmente as etapas do regresso à raiz de toda a existência.”
(…) Assistimos, com a mutação das nossas civilizações, independentemente de uma verdadeira “aceleração” dos tempos – sintoma não equívoco de um mundo velho – a uma reacção quase universal contra tudo o que se assemelha a um modo de pensamento discursivo, a uma razão que progride talhando e cortando raciocínios e princípios, silogismos, deduções e consequências”.
Por um lado, no que diz respeito ao tempo, a História vai ao encontro da prospectiva, enquanto o progresso técnico “acelera”. Por outro lado, a inteligência, sob a forma clássica do humanismo ocidental, vê-se progressivamente atacada por uma busca quase universal de tudo o que a possa superar, quer se trate de uma redescoberta do homem total, incluindo as suas raízes carnais, ou do mistério do seu coração profundo e da sua aura cósmica.
Não é só um certo gosto pelo esoterismo que atrai um número crescente de homens e de mulheres enganados pelos limites de uma inteligência reduzida a um simples intelectualismo, mas sim, ao que parece, uma mutação do pensamento que, por uma reacção de defesa em face dos perigos de uma mecanização crescente do espírito humano, procura um modo de sobrevivência.
O perigo está em que, à força de globalizar, o pensamento se dissolve numa vaga “difusa”, e que, à força de evitar o intelectualismo, acaba por caie no caos.
Excerto de “A Cabala e a Tradição Judaica” de René de Tryon, Montalembert, Kurt Hruby, 1974, Edições 70